19 de Março a 18 de Abril
Ramón Peralta é fotógrafo e poeta. Diz que a literatura o ensinou a pensar as imagens, e a fotografia a escrever poemas.
Algumas das referências que influenciam o seu trabalho têm origem na sua infância. São estas a leitura de Edmundo de Amicis[1] na escola, ver na televisão Chaplin a caminhar sobre o manto branco e, num dia claro, olhar ao longe o Popocatépetl e o Iztaccíhuatl[2]. Tocar a neve y sentir as nuvens é o resultado fotográfico de 35 anos de espera entre um homem e um estado da natureza. Encontro que se deu no norte de Viena, em 2010.
Sobre esta exposição Silvestre Santos escreve o seguinte:
[…] É num contexto generativo de sentidos, através das fotografias inauditas do fotógrafo-poeta que, se anuncia e preconiza a acuidade do toque, diante do indelével traço quase preto que marca estilisticamente a superfície branca. Lugar traduzido numa estrutura produtora de fluxos contínuos, através da relação entre aberto e fechado, movimento e quietação, representado pela força do traço (presença) numa paisagem branca (espacialidade). Suscita-se, deste modo, ora duração e eternidade, ora efemeridade e limite, num horizonte que evoca por um lado a natureza e, por outro, o processo de maturação do ser humano que se fixa, entre o movimento dos traços e a intermitência do olhar na textura que compõe a imagem.
Fixemo-nos, por isso sobre a imagem – sobre o manto branco, branco da luminosidade ou do vazio, que, inaugura uma certa abertura com a chegada deste traço. Na senda desta fenda engendra-se um novo espaço, quer pelas formas que se podem constituir/construir, quer sobretudo, pelo branco que é (aqui) o local de todas as marcas, de todos os vestígios.
[…]
sem querermos afirmar objectivamente que é esse o leitmotiv da obra de Ramón Peralta, diríamos que o branco seja ele visto como pureza, imortalidade, luminosidade, ou por outro lado, como vazio, limite e abismo […]. É sobre as várias camadas de branco que reveste a superfície, ao mesmo tempo que oculta e revela sob a sua face a passagem da temporalidade, que a natureza deixa agreste e amenamente a sua marca.
Uma clara alusão ao ciclo da vida com o brando mover das estações, entre o desabrochar das flores […] e o cair das folhas secas e mortas que, do mesmo modo, vão cobrindo a terra de outras cores […]. Como, por exemplo, os vários começos tão bem retratados no soberbo filme do realizador sul Coreano Kim Ki-Duk, “Primavera, Verão, Outono, inverno… e Primavera”.
[…]
Ciclo de morfoses e metamorfoses numa passagem/paisagem do tempo entre a primavera e o inverno, o nascer e o morrer, e assim por diante. Processos bem presentes na arte, na criação de novos mundos, de novas paisagens quer seja pelo mimetismo do real, quer pelo (desa)fio da imaginação.
De uma criação imaginativa que cria e recria, […] como é o caso da neve, transformando-se do estado sólido ao estado líquido, diluindo-se e exaurindo-se aos poucos em água, entranhando-se pelos interstícios da obra-terra, abrindo fendas, frechas, fissuras, rasgos, cicatrizes, linhas e marcas de uma constante e permanente passagem do tempo, bem como de uma reinvenção do ser na obra, que fabrica novos mundos.
[1] (1846-1908) Escritor e militar italiano, famoso pela sua obra Cuore (Coração).
[2] O Popocatépetl e o Iztaccíhuatl marcam o horizonte da Cidade do México. Os nomes destes vulcões de cumes nevados têm origem numa lenda Azteca recheada de romance e tragédia.
Ramón Peralta (México, 1972) mora em Lisboa há 7 anos. Estudou Antropologia Social. Foi aluno visitante no Mestrado de Teoria da Literatura da Universidade de Lisboa (2008-2009). Estudou fotografia na Universidade Nacional do México durante dois anos. Durante 8 anos, foi co-director da revista de poesia Oráculo. Em 2003, obteve o apoio “Artes por todas partes” e a Menção honrosa no Prémio Internacional “Rey Ocho Venado”. Em 2005, obteve a bolsa “Jóvenes Creadores” do FONCA (Fondo Nacional para a Cultura e as Artes). Publicou os livros de poemas: Diáfanas Espigas (Fondo Editorial Tierra Adentro, 2003) e Fotosíntesis (Ediciones Invisible, 2006).